Minha terra
Eu, João Edimar da Costa, nascido em 02/06/1930, de 80 anos, vivi toda a minha infância no sertão do Rio Grande do Norte, onde trabalhei como cavaleiro. Eu tive uma infância dolorosa, de grande sofrimento, mas, ao mesmo tempo, muito feliz.
O meu primeiro fato marcante foi quando eu caminhava na várzea do Rio Mossoró e foi quando eu escutei vozes na ribanceira. Estava curioso para saber quem era, quando me aproximei do velho juazeiro e dei de cara com o cangaceiro lampião e seu bando. No momento, fiquei assustado, mas, sim, resolvi me aproximar, quando, para minha surpresa, o cangaceiro voltou e me perguntou “Qual é a sua graça, meu rapaz?” E eu respondi “Eu sou o velho João Edimar”. Ele respondeu-me “Admiro sua coragem, sente-se conosco”.
Eu morava com a minha mãe e o meu pai no sertão do Rio Grande do Norte. Tinha 14 irmãos. A minha convivência era trabalhar, Eu perdia muitas e muitas aulas para isso. Eu ganhava dinheiro, tocando sanfona nas quadrilhas. Passava muita fome, mas o meu pai lutava muito para nós termos o que comer. Eu tinha uma namorada que conheci numa festa junina. O nome dela era Áurea Guimarães. A mãe dela foi morar na cidade de Taubaté, cidade do interior paulista, mas eu perdi o contato com ela.
Olha: eu e os meus irmãos tirávamos os bandos de ovelhas, cabras, bodes, burros, éguas, cabritos, cavalos e touros.
Eu pescava em rios, cachoeiras e em riachos. Tinha um gato enorme. Toda vez que eu ia para o rio pescar, ele me acompanhava. Quando eu ia para os rodeios, eu montava o touro. Às vezes, eu me machucava, mas teve um dia que eu fui, montei o touro e venci, ganhando o título de peão de um cowboy.
Quando eu era pequeno, eu aprontava muito com os meus irmãos.
Uma vez, eu fui pescar camarão e consegui pegar um saco. Então, quando o meu pai e a minha mãe foram ao roçado, eu peguei uma pimenta, fritei e falei para o meu irmão: “Ô, Valdemar, come esse camarão”. Quando ele pegou que deu a primeira mordida, começou a gritar “Ai, tá ardendo, tá ardendo” e eu comecei a sorrir. Aí, quando a minha mãe e o meu pai chegaram e perguntaram “O que foi?”, os outros irmãos responderam “O João pescou camarão, pegou, fritou uma pimenta e falou que era camarão. Então, o Valdemar comeu e chorou...” Por ter feito isso, eu me dei muito mal: meu pai fritou três para eu comer e, quando eu acabei, tomei uma surra daquelas bem fortes. Fiquei todo doído de tanto apanhar. Outra vez, eu assanhei as abelhas e as coloquei em cima dos trabalhadores. Eles saíram todos picados.
Numa outra vez, eu peguei um mamão, enfiei uma vela no meio e fiquei em cima do cemitério. Quando as mulheres foram pegar água e viram aquela vela acesa, derrubaram o pote de água no chão e começaram a gritar “Socorro! Socorro! Um fantasma!”
Outra vez ainda, deu uma desinteria em mim! Me deu vontade de fazer as minhas necessidades e eu, sem vontade de ir para o banheiro, que era lá fora, as fiz todas na cabeça das meninas. Quando foi no outro dia, elas se levantaram e falaram “Olha, pai, que o Edimar fez as suas necessidades na minha cabeça”. O meu pai, como sempre, bateu muito em mim!
O ferro, eu ganhei da minha mãe.
As moedas me fazem lembrar da minha infância e dos meus pais e familiares.
O disco, eu comprei.
(Escrito com base no depoimento de João Edimar da Costa, de 80 anos).